O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconsiderou a decisão que tinha determinado como ilegal a apreensão do aparelho celular de João Vítor dos Santos, conhecido como 'Adidas' e apontado como um líder da facção carioca Comando Vermelho (CV) no Ceará. A nova decisão pode interferir em diversos processos criminais, que resultaram na soltura de dezenas de suspeitos de integrar a organização criminosa.
O celular de 'Adidas' foi apreendido pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão que tinha como alvo a sua companheira, Francisca Valeska Pereira Monteiro, a 'Majestade' (outra chefe do Comando Vermelho), em Gramado, no Rio Grande do Sul, em agosto de 2021. João Vítor tentou impedir a ação policial e destruir o seu aparelho telefônico, o que motivou a prisão em flagrante dele e a apreensão do objeto.
Com a extração dos dados do aparelho celular de 'Adidas', a Polícia Civil chegou a dezenas de outros integrantes da facção Comando Vermelho a planos criminosos da organização criminosa no Ceará. Vários suspeitos foram presos, nos meses seguintes.
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) acatou um habeas corpus requerido pela defesa de João Vítor dos Santos, em dezembro de 2022, e considerou "inconstitucional" a apreensão do aparelho celular do chefe do CV. As provas do processo contra 'Adidas' e outros oito investigados foram anuladas, e o grupo foi solto.
Nos meses seguintes, dezenas de outros investigados, que foram alvos de ações policiais a partir do extravio de dados de 'Adidas', também foram soltos. Entre eles, familiares de 'Majestade'.
A Polícia Civil obteve novas provas criminais contra João Vítor e voltou a pedir a sua prisão à Justiça Estadual, o que foi acatado. Ele figura como um dos Mais Procurados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Já 'Majestade' foi condenada à prisão por integrar uma organização criminosa.
MPCE e MPF conseguem reverter decisão
A decisão do TJCE chegou a ser ratificada no Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, o Ministério Público do Ceará (MPCE) e o Ministério Público Federal (MPF) ingressaram com Agravo em Recurso Especial e conseguiram convencer o ministro Rogério Schietti Cruz de rever a decisão.
No último dia 22 de maio, o ministro do STJ reconheceu a validade da decisão da Justiça Estadual que havia autorizado a quebra do sigilo telefônico de celulares apreendidos na busca contra 'Majestade', que se estendeu a 'Adidas'.
Segundo a decisão assinada por Rogério Schietti Cruz, além da prisão de 'Majestade', "havia autorização para realização de diligência de busca e apreensão em seu domicílio".
"Assim, a autoridade policial estava no local para cumprimento de ordens – prisão preventiva e busca e apreensão em desfavor da companheira do recorrido – e, diante da postura deste (tentativa de impedir a atuação dos agentes que estavam no local e de destruir seu aparelho celular) surgiu a suspeita de seu envolvimento na prática ilícita. Esse cenário, por certo, autorizava a apreensão e posterior quebra de sigilo dos dados contidos em seu smartphone", concluiu o ministro.
Processos contra comparsas de 'Adidas'
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o procurador de Justiça e coordenador do Núcleo de Recursos Criminais (Nucrim), do MPCE, Maurício Carneiro, disse que a decisão do STJ de validar o extravio de dados de João Vítor dos Santos transitou em julgado - ou seja, não cabe recurso.
Essa decisão veio garantir que se desse continuidade a todos os processos criminais que foram instaurados a partir dos dados coletados nesse telefone. Por que a nossa insistência? Porque, com base nessas informações, vários processos, com uma multiplicidade de réus, tinham sido instalados, com provas contundentes. Se não fosse revertida essa decisão no STJ, tudo isso ia ser um trabalho perdido." Maurício Carneiro Procurador de justiça
Sobre os outros processos criminais, o procurador de Justiça explica que, no intervalo de tempo "entre a decisão aqui do Tribunal de Justiça, que foram várias decisões, e o que foi finalmente concluído lá no STJ, efetivamente pode ter ocorrido a soltura de alguns acusados. Mas, considerando que foi mantida a validade dessas provas, esses processos vão continuar".
Em contrapartida, alguns membros da facção Comando Vermelho já podem ter se livrado da punição criminal. "Logicamente, que aqueles casos em que já tiver havido decisão absolutória, com trânsito em julgado, esse (processo), infelizmente, não se vai poder fazer mais nada", lamentou o procurador de Justiça.
Fonte: DN