Um estudo recém-divulgado por pesquisadores da Universidade de Stanford sobre o uso de câmeras acopladas às fardas de policiais do Rio de Janeiro concluiu que a utilização dos equipamentos produziu um efeito de “despoliciamento”, isto é, desencorajou os agentes de segurança a se envolverem em atividades como abordagens e atendimento a chamados.
De acordo com os responsáveis pelo estudo (que ocorreu na favela da Rocinha, dominada pelo narcotráfico), grande parte dos policiais tenderam a evitar se envolver nos casos por receio de que o registro das interações pudessem incriminá-los. Como resultado, a partir do uso das câmeras houve redução de 46% nos vários tipos de fiscalização “proativas”, como abordagens e revistas.
Foi registrada também uma redução de 69% na probabilidade de os agentes agirem frente a denúncias de crimes por parte da comunidade e 43% no atendimento a chamadas recebidas pelo Centro de Operações. Os números revelam que o uso dos equipamentos de gravação pode estar relacionado a prejuízos significativos na segurança pública.
A divulgação do estudo ocorre num momento em que vários estados estão implementando sistemas de câmeras no fardamento dos agentes ou estudando tal medida.
Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento de uma ação que pede diversas restrições às operações policiais no Rio. Dentre as medidas que serão consideradas pela Corte está a instalação de sistemas de gravação de vídeo e áudio nas fardas dos agentes de segurança do estado. Até o momento, os dois ministros que já deram seus votos – Edson Fachin e Alexandre de Moraes – foram favoráveis ao uso dos equipamentos.
Enfrentamentos foram reduzidos, mas todas as atividades policiais também tiveram queda
O estudo em questão consistiu em um experimento controlado randomizado na favela da Rocinha, considerada a maior favela do Brasil. O experimento foi implementado entre dezembro de 2015 e novembro de 2016 e incluiu a atribuição aleatória de câmeras a 470 policiais em 8,5 mil turnos.
As conclusões dos pesquisadores, divulgadas em 13 de janeiro deste ano, apontaram para uma redução dos indicadores de violência, como mortes e ferimentos de criminosos, policiais e moradores. Porém, apesar da redução dos enfrentamentos armados, também foi registrado um declínio sistemático e progressivo em todas as atividades de patrulha relacionadas a casos como tráfico de drogas, homicídios, roubos, assaltos, perturbação do sossego e violência doméstica.
Durante o período do experimento, percebeu-se que diversos policiais desligavam as câmeras diante das ocorrências. Houve maior ocorrência do uso ativo dos equipamentos em locais com maior incidência de comportamentos agressivos à polícia por parte da comunidade, o que incluiu registros de apedrejamento, arremesso de água e urina, ameaças e ataques verbais e físicos. “Em outras palavras, os policiais que ligaram suas câmeras parecem tê-las usado para se proteger do comportamento agressivo dos moradores”, cita o relatório da pesquisa.
Mesmo nos casos em que as câmeras estiveram desligadas, não houve registro de mortes decorrentes de enfrentamentos policiais. Durante o período do experimento, houve 27 eventos com disparo de armas de fogo por parte dos agentes de segurança. Nessas ocasiões, das 489 balas utilizadas, 364 foram disparadas quando a polícia não estava usando câmeras.
De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, o fato de não haver registro de nenhum criminoso ou morador atingido mesmo com 74,4% dos disparos tendo sido efetuados com as câmeras desligadas invalida a tese de que os policiais, de forma generalizada, desligariam as câmeras para cometer execuções ou agir desproporcionalmente. A constatação, por outro lado, aponta mais para o receio de que, ao atingir suspeitos em situações de enfrentamento, esses agentes poderiam estar “produzindo provas contra si”.
Fonte: Gazeta do Povo