O Ceará registrou 2.028 casos de estupro em 2024, o que significa dizer que houve pelo menos seis crimes do porte por dia no Estado ao longo do ano. Unidade federativa tem o terceiro maior número de violações desse tipo do Nordeste e mulheres como sendo o perfil predominante das vítimas no geral.
Dados foram extraídos da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Supesp), plataforma pertencente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que compõe a estrutura do Governo Federal.
Na análise geral, em todo Brasil foram registrados 86.749 crimes sexuais dessa natureza, com o maior número encontrado no Sudeste, de 28.350. Já o Nordeste é a segunda região que apresenta o maior acumulado de vítimas: 17.694 pessoas foram estupradas ao longo do ano — o equivalente a 48 por dia.
Se observado apenas os índices de estupros que ocorreram dentro dos estados nordestinos, Ceará é o terceiro com o maior número de ocorrências, ficando atrás da Bahia (5.344) e de Pernambuco (2.607).
Entre os registros identificados em 2024 no estado cearense, 1756 das vítimas de estupro são do sexo feminino, representando 86% do casos, e 262 do sexo masculino, 4.92% dos alvos desses crimes. Dados são obtidos pelo Governo Federal via levantamento das secretarias de seguranças dos estados.
Questões sociais e culturais estão por trás de estatísticas
Miliane Pinheiro, mestre e doutoranda em sociologia, aponta que na região nordestina os aspectos sociais e culturais do machismo e da dominação masculina permanecem "profundamente enraizados", o que pode levar a explicação dos índices altos de casos de violências sexuais desse porte na localidade.
"Essa representação tradicional do homem nordestino como forte, provedor e dominador acaba por naturalizar a ideia de controle sobre os corpos femininos, alimentando uma cultura de violência. Além disso, há um histórico descaso e atraso do poder público na implementação de políticas públicas na região, retardando ações de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres, o que contribui para a manutenção desses alarmantes índices de estupro na região", destaca a assistente social.
Além disso, a profissional destaca que "a construção social que produz e reproduz valores e lugares sociais distintos para homens e mulheres é uma das raízes da violência de gênero", como a sexual.
"Nessa lógica, a vida e o corpo das mulheres são reduzidos a objetos, mercadorias, tornando-se terreno fértil para a perpetuação da dominação masculina. Os alarmantes números de estupro não podem ser dissociados dessa estrutura patriarcal, eles representam a expressão brutal de uma sociedade que ainda enxerga a mulher como propriedade e não como sujeito de direitos", pontua.
Sobre o perfil dos agressores, Miliane destaca que costuma existir uma prevalência de homens próximos a vítima, como familiares, amigos e até mesmo parceiros ou ex-parceiros das mulheres em questão.
"Um desafio particular dos chamados estupros conjugais, é que a subnotificação que persiste como um demonstrativo da cultura brasileira que naturaliza a violência sexual no contexto dos relacionamentos afetivos. A dificuldade em reconhecer e nomear esses casos como estupro revela que ainda não avançamos nas discussões sobre consentimento no âmbito das relações conjugais", alerta ainda.
Ceará já registra mais de 700 casos em 2025
Violências do tipo seguem sendo registradas no Ceará. Só entre janeiro e maio deste ano de 2025, por exemplo, já foram registrados 769 casos de estupros ou estupros de vulneravél (cuja vítimas são menores de 14 anos ou pessoas que por qualquer motivo não possam oferecer resistência).
Dados foram compilados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp-CE), centro de inteligência que é vinculado à Secretaria de Segurança e Defesa Social do Estado (SSPDS).
No comparativo dos cinco primeiros meses de 2024, quando houve 842 ocorrências do porte, há uma redução de 8,7%. Já no mesmo período de 2023, conforme pasta, foram registrados 858 casos do tipo.
Procurada pelo O POVO, a SSPDS informou que, por meio de suas vinculadas, realiza um trabalho de prevenção e acolhimento às vítimas de crimes do tipo. Entre ações está o "Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), da Polícia Militar do Ceará (PMCE), que acolhe e acompanha as vítimas de violência, de forma contínua, no Grupo de Apoio às Vítimas de Violência (Gavv)".
Já a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) possui a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca). Nas demais cidades, os registros podem ser feitos em delegacias metropolitanas, municipais e regionais. Órgão também dispõe da Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre), ligado ao Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV), que realiza palestras educativas.
Secretaria também destaca a recente inauguração, em março de 2025, da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, no Papicu, que é a 11ª delegacia especializada do tipo instalada no Ceará.
"Além das duas unidades na Capital, a PCCE conta com outras nove DDMs, sendo localizadas em Maracanaú, Caucaia, Pacatuba, Crato, Iguatu, Juazeiro do Norte, Icó, Sobral e Quixadá. Em municípios sem unidades especializadas, os crimes podem ser denunciados nas demais delegacias da PCCE", destaca.
Pasta também aponta que a "Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) dispõe do Núcleo de Atendimento Especial à Mulher, Criança e Adolescente (Namca), serviço destinado às vítimas de crimes sexuais, com espaço humanizado para o acolhimento, e o do Núcleo de Atendimento à Vítima (NAV), sendo que o último é instalado na Casa da Criança e do Adolescente, em Fortaleza".