Nova dinâmica do crime não é só domínio e passa pelo cálculo da representatividade política, analisa César Barreira

Os episódios recentes que entrelaçam o poder político e as facções criminosas no Ceará podem ser compreendidos a partir da análise de uma nova dinâmica do crime, que expande os seus “domínios” e passa a se importar com questões de lucro e representatividade. É o que avalia César Barreira, doutor em Sociologia e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Violência, Poder e Segurança Pública (INViPS).

O pesquisador, que há muitos anos estuda a violência e a pistolagem no cenário brasileiro, concedeu entrevista ao PontoPoder para falar sobre os paralelos que ligam os crimes por encomenda e o uso da violência na reprodução do mando político – que existe desde o século XIX, mas ganha destaque no início da década de 1980 – aos casos mais recentes, que expõem o impacto das facções no processo democrático.

Como mostra reportagem do PontoPoder, o Ceará tem pelo menos três prefeitos eleitos em 2024 investigados por envolvimento com organizações criminosas. Na amostra mais recente, um gestor municipal é suspeito de contratar membro de facção para incendiar propriedade de um desafeto político. Outras ações que evidenciam o modus operandi dos grupos incluem ameaças a eleitores e candidatos, intimidação a campanhas, além de extorsão.

César Barreira avalia que é preciso compreender essa nova dinâmica do crime diante das disputas de poder, que fica ainda mais clara no período eleitoral ou no chamado “tempo da política”. É nesse contexto que duas possibilidades geram mais preocupação: a eleição de pessoas que tenham uma relação direta com as facções e a inviabilização de postulantes que defendem uma prática democrática.

“Eu sempre bato muito nessa tecla, a questão, por exemplo, da prática de bandidagem é muito racional, tem um cálculo racional em termos de poder ser preso ou não preso, de ser morto ou não morto, mas existe também um cálculo bem racional com relação ao lucro. Então, nesse sentido, passa a haver uma certa visão de que é importante, e nós sabemos que é, na prática da representatividade” César Barreira Sociólogo e coordenador do LEV da UFC e do INViPS

Ao longo da conversa, o estudioso indicou, ainda, possíveis caminhos para a desarticulação do crime organizado e a repressão a esse tipo de interferência no jogo político. Nesse sentido, há duas palavras de ordem: prevenção e inteligência. “Sempre defendo que nós não vamos acabar com as violências, mas nós vamos poder ter cada vez mais uma presença do Estado onde ocorrem esses delitos”, frisou.

Além da longa trajetória na pesquisa e docência universitária, César Barreira integrou ações junto ao poder público, sendo o primeiro diretor da Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp-CE). Atualmente, é o pesquisador responsável pelo 'Cientista Chefe da Segurança Pública do Estado', programa do Governo em parceria com a Fundação Cearense de Apoio e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap-CE).

É também autor de livros considerados referências na Sociologia da Violência, como ‘Trilhas e Atalhos do poder: conflitos sociais no Sertão’ (1992), ‘Crimes por encomenda, a pistolagem no cenário brasileiro’ (1998) e ‘Cotidiano despedaçado: cenas de uma violência difusa’ (2008).

Fonte: DN 

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